Assisti recentemente ao filme “O Discurso do Rei”, premiado com o Oscar 2011, e estrelado pelo excelente Colin Firth como o rei da Inglaterra George VI, este último famoso por sua gagueira. Fiquei emocionada pela beleza da história de superação do monarca em sua terrível missão de discursar em público e pelo forte laço de amizade criado entre ele e seu controvertido terapeuta, interpretado também com maestria por Geoffrey Rush. Além disso, encantou-me também o papel de Helena Bonham-Carter, esposa do rei, que futuramente entraria para a história de seu país como a Rainha-Mãe.
O filme, em estilo bem inglês, pode não ser uma obra-prima cinematográfica, no entanto, apresenta uma história tão rica e conta com um elenco tão afinado, que não tinha como não ganhar a cobiçada estatueta de Hollywood de melhor do ano, assim como o Colin Firth só poderia mesmo ter recebido a de melhor ator. A produção teve tantos méritos, que também faturou o Oscar de melhor diretor, assim como o de melhor roteiro original. Mas, premiações à parte, o filme me trouxe muitas questões para refletir e me envolver. A primeira foi ver o sofrimento desde a infância daquele que nasceu como príncipe e foi assistido por uma cruel babá que tinha predileções apenas pelo seu irmão mais velho, primeiro na sucessão do trono britânico. Ela deixava o príncipe mais novo sem comida por horas, e o beliscava frequentemente na hora de falar. Com certeza, era uma estratégia para que o garoto não denunciasse os maus-tratos que sofria. Os beliscões ajudaram-no a desenvolver a gagueira e a falta de alimentação nos devidos horários acarretou problemas estomacais que ele levou consigo para o resto da vida. Ainda por cima, nasceu canhoto e a família o forçou a ser destro. É quase impensável para nós, cidadãos comuns, saber que alguém nascido na realeza teria sofrido um tratamento dessa natureza durante a infância, especialmente por parte da babá. O seu temperamento forte, com frequentes ataques de raiva, lhe trouxe problemas de relacionamentos até a idade adulta, mas nem por isso o impediu de encontrar um amor leal e sincero. Aliás, é fantástico ver a dedicação e a paciência da esposa em querer curá-lo e procurar médicos e mais médicos na esperança de trazer a alegria ao marido de poder falar em público sem gaguejar. Ela participava ativamente dos tratamentos e mesmo quando o marido desistia, ela persistia, sem cessar. Foi assim até encontrar o terapeuta Lionel Logue e a partir daí, a história do, então, Duque de York iria mudar para sempre.
A conturbada história da terapia feita com métodos nada ortodoxos traria uma nova perspectiva de vida ao futuro rei. O início não poderia parecer mais surreal: durante o período que antecede a Segunda Guerra Mundial, a esposa do príncipe foi visitar um terapeuta totalmente desconhecido, cujo consultório era uma espelunca, sem nenhuma indicação por parte dos nobres e o mais incrível: convenceu o príncipe de ir até lá depois de ter fracassado o tratamento com todos os médicos recomendados pela corte. O terapeuta, por sua vez, era um imigrante australiano que não fazia a menor reverência ao príncipe e o tratava como uma pessoa bem comum. O choque entre os dois aconteceu, mas também um inesperado vínculo de amizade que perduraria por toda a vida.
É emocionante acompanhar a luta de Lionel em sua insistência não só de curar o príncipe como também de fazer com que ele adquirisse a autoconfiança necessária para assumir o trono inglês. O irmão mais velho, Edward, ao decidir pela renúncia à coroa, jogou o Duque de York direto ao seu maior temor: ter que discursar com transmissão radiofônica para todos os cidadãos britânicos na posição de rei. Foi uma tortura para ele. Ele pouco confiava em si mesmo, e se consolava com a esposa e o carinho das duas filhas, ainda meninas, a Princesa Margareth e a futura Rainha Elizabeth II.
No entanto, a confiança do terapeuta foi decisiva. O rei conseguiu superar a gagueira durante os discursos e Lionel esteve presente em todos eles. Belíssima a relação como um todo. Diante de tudo isso, não tive como conter a emoção e chorei durante algumas passagens. A perseverança do rei, o reconhecimento do trabalho do terapeuta e o suporte da esposa me deixaram a impressão de que todos nós precisamos de alguém que nos instigue, apóie, remexa, motive e acima de tudo confie no nosso potencial. Um amor, um amigo, um familiar, ou todos eles juntos. Não importa. O que importa é que não podemos agir isoladamente. Sempre tem que haver inspiração em nossas vidas. O rei ouvia e dizia “God Save The King” (Deus Salve o Rei) e tentava superar os seus temores e venceu…
O filme, para mim, foi tão significativo que eu não parava de pensar e me enternecer com aquele enredo que, de tão profundo e improvável parecia, de fato, pura ficção. Entretanto, histórias comoventes como esta são mais do que inspiradoras e renovadoras, pois o melhor de tudo, é que são reais. Portanto, podem acontecer com gregos e troianos, ingleses e australianos, monarcas e plebeus. E, para mim, que sofri e vibrei com essa história cativante de superação de bloqueios físicos e psicológicos, e também de amor e amizade, afirmo que vale a pena assistir ao filme. Pois, ainda mais importante do que poder encantar-se com o discurso é, principalmente, poder emocionar-se com o percurso do rei.
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