Foto da atriz Paolla Oliveira como professora diante do quadro negro

UMA PROFESSORA AUDAZMENTE MALUQUINHA

Assisti recentemente ao DVD do filme “Uma Professora Muito Maluquinha” (2011) e parti logo para reler o livro. E mais uma vez, foi um grande prazer. Tanto o livro quanto o filme me remeteram para aquela saudável atmosfera infantil onde se criava a imagem da professora ideal. Pelo menos na obra de ficção de Ziraldo, a professora Cate preenchia todos os requisitos: bonita, elegante, simpática, comunicativa, atenciosa, inovadora, amante da leitura e muito dedicada aos alunos. Ela tinha todas as qualidades com as quais as crianças poderiam sonhar. Acredito que não somente as crianças. O livro já ultrapassou a vendagem de 380.000 exemplares e o filme foi a concretização de um belo projeto com roteiro co-assinado pelo próprio Ziraldo. E para quem pertence à área da educação e gosta de aulas criativas, a história torna-se simplesmente imperdível. É mesmo para sacudir a imaginação…

O filme estrelado pela linda atriz Paola Oliveira como a professora maluquinha contou ainda com um elenco afinado: os maravilhosos galãs Ricardo Pereira e Max Fercondini, entre os vários pretendentes apaixonados pela professorinha, Chico Anysio como o monsenhor, tio de Cate, mais Suely Franco, Joaquim Lopes e as crianças, ótimas como os fiéis pupilos. As locações filmadas na cidade de São João Del Rey, em Minas Gerais, deram o preciso ar sereno e bucólico desta história ambientada no Brasil dos anos 1940; uma época em que as notícias e o entretenimento eram veiculados principalmente pelas ondas do rádio, assim como a leitura circulava através dos jornais, revistas, livros, e gibis infantis. O ensino no Brasil estava passando por importantes mudanças, mas os métodos usados nas nossas escolas eram preponderantemente centrados na figura do professor, que transmitia a matéria às turmas através de aulas expositivas, com pouco incentivo à criatividade dos alunos. Na hora das provas, os estudantes reservavam-se a reproduzir o que o professor havia ensinado em sala de aula ou o que havia no livro didático. É neste universo que surgiu a heroína da história desafiando os métodos tradicionais e transformando a sala de aula em palco dinâmico de aprendizagem. E a sua metodologia aliada ao prazer do conhecimento é o que justamente merece toda a atenção.

Catharina Roque, ou simplesmente Cate, como a chamavam em sua cidade, usava um método inspirado na Educação Nova que estava em voga nas primeiras décadas do século XX, onde os alunos passavam a aprender através de projetos, experiências, exercícios práticos, jogos e pesquisas, entre outros tipos de atividades que estivessem de acordo com os seus interesses. Os alunos, juntamente com os professores, passavam a ser sujeitos na construção do conhecimento. Com esse espírito audaz e criativo, Cate estimulou o gosto pela escrita/leitura já a partir da primeira aula. A ficha de chamada, em vez de estar pronta para ser lida por ela, foi escrita pela própria turma.  E o melhor, um aluno escrevia o nome do outro, interagindo com o colega do lado. Pois como ela disse: “Grande vantagem saber escrever seu próprio nome!” A ideia de pôr uma frase no quadro dizendo que havia uma maçã debaixo da última carteira da fila do meio e quem lesse a frase até o fim ganharia a fruta, deu uma nova função à prática da leitura; serviu de estímulo para se ler tudo o que a professora colocava no quadro. No livro que deu origem ao filme, diz-se que Cate todos os dias escrevia uma frase diferente e dava um prêmio novo para incitar e, ao mesmo tempo, recompensar a curiosidade dos alunos. Ponto para professora. A iniciativa de levar gibis para a sala de aula também foi genial.  Pois, ela já usava a leitura com estímulo visual para ajudar o desenvolvimento das crianças. Com a proibição da leitura dos gibis na escola, Cate usou mais uma vez a imaginação e passou a ler com todo o sentimento histórias de amor para os alunos como se fosse uma novela. Ninguém queria perder um capítulo… Mais um ponto para a professora. E a máquina de ler poemas? Enquanto ela girava uma manivela, os alunos liam em voz alta e com rapidez cada verso que se desenrolava em um papel. Com a doce Cate, eles aprenderam a ler silenciosamente, escrever, interpretar, declamar versos e inclusive saborear maçãs como prêmio. Ela aguçou mesmo os sentidos da meninada… e não parou por aí. A professora uniu não só a literatura, mas também outras artes a matérias como História, Geografia e até Matemática! Levou as crianças ao cinema para assistir à “Cleópatra”; depois comentaram e interpretaram a história com uma peça montada e estrelada por elas. Levou-as ao campo com o Professor de Geografia para que entendessem de perto a natureza. Fez até com que os alunos aprendessem tabuada através de música e as condecorava por destaques individuais. Mil pontos para a querida professora maluquinha!

As técnicas empregadas por Cate são hoje técnicas consagradas. Vejamos as principais. A aliança da música, por exemplo, ao aprendizado de algum tópico estimula a memória. Pois se a canção usada for boa, divertida, os alunos não a esquecem mais. O uso do cinema como recurso didático tem também um efeito além do áudio-visual. Sair do ambiente da sala da aula leva o aluno a entender que o conhecimento não é algo restrito à escola, mas é parte integrante do mundo. Vemos que a aprendizagem através dos sentidos é mais do que estimulante como a criação de uma peça teatral pela própria turma. Assim, os alunos aprendem a se organizar e trabalhar em grupos, elaborar um roteiro, memorizar textos e usar a expressão corporal. As atividades lúdicas, por sua vez, despertam a atenção e fazem as crianças sentir-se participativas. A ideia de premiar os alunos com medalhas pelas suas virtudes ou habilidades é também sensacional. Uma prática destas só contribui para elevar a autoestima dos alunos. Afinal, quem não quer ser reconhecido por algum mérito pessoal?

Então, Cate era a professora perfeita? Não era bem assim. Ponto agora para Ziraldo. Cate, por não ser perfeita tornou-se uma personagem ainda mais encantadora… A princípio, ela não passava dever para ser feito em casa. O famoso “trabalho de casa” ajuda muito os alunos a fixar a matéria na memória, e serve para que eles reconheçam em que pontos têm dúvidas. Cate não sabia disto, mas depois – por exigência da escola no filme e pelos pais dos alunos no livro – passou a adotar o dever de casa com tarefas mais do que criativas, como fazer as crianças procurarem em um mapa do mundo o país Kubakalan. Se as crianças constataram que este país não existia, também descobriram a real existência de muitos outros. Cate era mesmo ótima. Mas, para mim, só houve dois pontos que a professora não marcou. Um em não usar o livro didático, o outro em não querer aplicar provas para os alunos. Afinal, nada impedia Cate de usar um livro tradicional aplicando suas técnicas diferenciadas de ensino. E as provas sempre fizeram parte do nosso sistema competitivo. Ela podia até não concordar com o sistema, mas deixar de preparar os alunos para ele era, de fato, viver em um país imaginário.

 Porém, Cate como professora nunca se esqueceu do principal: do amor pelo conhecimento e por seus alunos. E é isso que faz com que as crianças cresçam, movidas pelo amor, querendo conhecer cada vez mais e mais. Como Ziraldo, o autor da obra, afirma: “A educação infantil tem que ser acompanhada de afeto. Não existe educação sem afeição, sem carinho.” Eu concordo plenamente. Por isso, amei a cena em que a aluna Ana Maria perguntava à professora onde se poderia aprender mais sobre o Egito. E Cate, maravilhada, começava a cantar com os alunos e a dançar com Ana Maria de tanta alegria. E repetia: “Era tudo o que eu queria ouvir!”

“Uma Professora Muito Maluquinha”, o filme, pode não ser nenhuma obra-prima do cinema nacional, nem uma fiel adaptação do livro, mas é, sem dúvida, um agradável entretenimento e um convite a pensarmos numa total reformulação do ensino no Brasil, sobretudo do público. Sinceramente, como eu gostaria que houvesse um sistema educacional em todo o país que valorizasse a formação e a remuneração dos professores, fornecesse recursos didáticos modernos adequados para cada matéria do currículo escolar nas escolas públicas e incentivasse a utilização de métodos criativos em sala de aula. Poderia ser o início de uma transformação na sociedade brasileira. A escola passaria a ser um lugar onde as crianças poderiam sentir-se fascinadas pelo saber e os professores satisfeitos pelo prazer de ensinar. Deste modo, haveria mais alunos e professores felizes, “maluquinhos” pelo conhecimento. Uma notícia da implantação de um sistema assim, isto sim, era tudo o que eu queria ouvir!

Fontes consultadas:

Ziraldo. Uma Professora Muito Maluquinha. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1995.

PILETTI, Claudino; PILETTI, Nelson. Filosofia e História da Educação. 6ª Edição. São Paulo: Editora Ática, 1988.

Uma Professora Muito Maluquinha. Site: Wikipedia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Uma_Professora_Muito_Maluquinha_(2010)


Comentários

Participe! Deixe seu comentário