Capa do livro Ponte Rio-Londres, de Elsie Lessa

PONTE RIO-LONDRES: REDESCOBRINDO ELSIE LESSA

Quando eu era adolescente, amava ler as crônicas dos jornais. Ainda amo as crônicas, mas raras são as que me proporcionam algum entusiasmo em nossos moderníssimos jornais do século XXI. Agora sobram notícias alarmantes, vocabulário sofrível e faltam as linhas de sensibilidade e beleza que tanto me encantaram na década de 1980. Naquela época, eu podia abrir o jornal e encontrar colunas maravilhosamente bem-escritas por autores como Fernando Sabino, Rubem Braga, Artur da Távola, Maria Julieta Drummond de Andrade… Lia até os cronistas do futebol como o José Inácio Werneck, que eu apreciava e, às vezes, o Nelson Rodrigues, com quem nunca concordava. Que time! E neste desfile de virtuoses literários, havia também a minha escritora favorita, a Elsie Lessa, que através de sua coluna semanal “Globe-Trotter” do jornal O Globo fazia com que eu pudesse viajar pelo mundo e também pelo seu mundo. Foi uma época que me fazia sonhar com Londres e sua rotina cotidiana a cada crônica que eu lia; um sonho que só depois de praticamente trinta anos eu tive o prazer de reencontrar.

Outro dia, conversando com a minha grande amiga Beatriz em sua casa, revelei que meu desejo de ser escritora surgiu ainda nos meus tempos de adolescência, e que até hoje me arrependia de não ter comprado ou pedido de presente um livro que representava a minha inspiração, ou melhor, minha aspiração: “Ponte Rio-Londres” (1984). Há anos, o livro entrara para o desprestigiado rol dos “fora de catálogo” e assim eu perdera a chance de conhecer melhor a prosa fluente e cativante de Elsie Lessa que já não se encontra entre nós desde o ano 2000. Bastou eu terminar minha revelação e a intrépida Bia correu para o computador e fez a encomenda do livro pelo site Estante Virtual, tanto para mim como para ela também. Isso mesmo! Ela achou não só este, mas vários exemplares das obras de Elsie pela Internet. Quando o livro chegou às minhas mãos, eu mal podia acreditar. E não é que era o livro mesmo? Comecei logo a ler as primeiras páginas e daí por diante passei a reservar um tempo, quase todos os dias, para poder saborear aquelas histórias, tão leves e ao mesmo tempo tão ricas. Um festival de qualidade.

Cada crônica possuía uma narrativa envolvente deixando em mim sempre a vontade de acompanhar a simplicidade do dia a dia da autora na longínqua Londres e absorver essa outra atmosfera. A cada história aumentava o meu desejo de andar por aquelas tranquilas ruas inglesas que Elsie fazia questão de frisar como muito calmas e silenciosas. Elsie destacava todo um cenário de parques bucólicos, pessoas reservadas, tempo frio e cotidiano pacífico, com trabalhadores eficientes e honestos que a deixavam com a sensação reconfortadora que havia uma harmonia e respeito especial aos direitos de todos os cidadãos. Londres dos anos 80. Londres da época do casamento real do príncipe Charles e Lady Diana, retratado em “Conto de Fada para Adultos”, que agora nós sabemos como, de fato, era.  A Londres da suntuosa loja Harrod’s onde até hoje pode-se encontrar de tudo um pouco e que deixa em cada um a sensação de querer sempre mais… A Londres dos jovens punks que circulavam e faziam “point”, assim como artistas em geral, em “King’s Road”, que Elsie enfocou tão bem em “A Estrada do Rei”. A Londres onde fica o bairro do Chelsea com belas casas e jardins e um time de futebol que ganhou as manchetes esportivas do mundo todo; bairro onde Elsie morou e amou cada minuto. Gostava muito de sua pacata vizinhança. Para se ter uma ideia, Elsie morava perto da grande atriz sueca Ingrid Bergman, que ela muito admirava, e acredito que o mesmo aconteça com a maioria dos cinéfilos, sobretudo pelas atuações de Ingrid em clássicos como “Casablanca”, “Joana D’Arc” e em obras de Alfred Hitchcock.

Também impressionou-me a leveza com que descrevia cada paisagem ao seu redor, fosse em Londres ou no Rio de Janeiro. Pareceu-me que esta era uma característica clara desde a crônica de abertura do livro “Passeio com o Bebê” em que ela deixava transparecer todo o seu amor pela neta Juliana.  Elsie Lessa narrava aí uma das primeiras aventuras da menina em seu passeio com a mãe por um calçadão carioca à beira da praia em um carrinho de bebê. Um fato que pode soar corriqueiro, mas que se transformou numa experiência inesquecível sob o olhar aguçado de Elsie. Nota-se o mesmo com a segunda crônica, “Tarde com Juliana” em que a autora descreveu seu próprio passeio com a neta, novamente pelo calçadão, mas já com a pequenina segurando e, por vezes, soltando sua mão. Elsie se mudou para Londres e Juliana também e, a partir de então, toda a realidade conhecida deu espaço a um ciclo de renovação e aparente ruptura onde o Brasil, de algum modo, sempre se fazia presente. Presente, seja nas lembranças de amigos como Vinícius de Moraes ou Carlos Drummond de Andrade, nas inevitáveis comparações com o cotidiano londrino, na convivência com outros brasileiros em terras inglesas ou simplesmente em suas memórias como em “A Casa de Botafogo.” Assim é  “Ponte Rio-Londres”. Título mais adequado o livro não poderia ter recebido.

Eu também fiz esta ponte imaginária através desta experiência nostálgica de redescobrir Elsie Lessa e lembrar-me um pouco dessa Londres que eu visitara uma única vez no já distante ano de 1999.  Pude tecer minhas próprias comparações e fiquei mesmo feliz de ter conhecido o livro agora e assim poder compreendê-lo muito mais do que eu poderia ter conseguido quando era uma sonhadora adolescente. Ainda sonho, mas garanto que nada se compara ao gosto da realização. Qual não foi a minha emoção ao concluir a leitura! E ainda maior foi a minha satisfação ao ver que a Beatriz virou uma dedicada leitora de Elsie, comprando todos os livros dela que conseguira encontrar. E eu também. Somos agora as duas a desfrutar do prazer de conhecer cada vez mais essa fantástica cronista que um dia trabalhou como enfermeira, porém foi nas letras que soube contribuir ainda mais eficazmente para o nosso bem-estar. E agora, percebo outra coisa. Eu me espanto em saber que eu, na década de 80, tão jovem,  apreciava tanto uma bela prosa… Sem falsa modéstia: não é que eu tinha bom-gosto?


Comentários

Participe! Deixe seu comentário