O meu lado carioca tem aflorado das mais variadas formas desde que tomei conhecimento de que a minha cidade estaria prestes a completar a expressiva idade de 450 anos. Cidade jovem se a compararmos com as do Velho Mundo, no entanto, tem um sem-número de histórias para contar, seja nos campos da política, da arquitetura, do turismo, das artes, dos costumes e de outros mais. Ser carioca, muitos afirmam, não é só uma questão de certidão de nascimento, mas de se identificar com o espírito da cidade, como é o caso da grande Carmem Miranda, que nasceu em terras portuguesas, porém era mais do que brasileira e carioca de coração. Assim, neste clima, posso dizer que tenho explorado muito o mapa do meu Rio, através de passeios, lembranças e experiências. Agora não resisto ao desejo de compartilhar com vocês um pouco também das minhas histórias.
Uma das maneiras que encontrei para entrar em contato com a memória da cidade foi a de folhear a minha coleção de livros de fotografia do Rio antigo e apreciar as imagens da transformação da paisagem e do povo carioca. Os primeiros livros que peguei foram os do editor George Ermakoff: “Rio de Janeiro 1840-1900. Uma crônica fotográfica”, “Augusto Malta e o Rio de Janeiro 1903-1936” e “Rio de Janeiro 1930-1960. Uma crônica fotográfica.” Sentei para contemplar foto por foto e me transportar para uma era em que o Rio, já com muito charme, posava de capital do Império e anos mais tarde da República. Os livros me trouxeram imagens magníficas de um Rio com ares de nobreza e ao mesmo tempo bucólico, cheio de áreas verdes, como na época imperial, ou com tons parisienses da Belle Époque no início da República e, por fim, de um Rio mais moderno, do Estado Novo e da onda elegante da Bossa Nova. Era o Rio de um tempo que eu não vivi, de mais áreas livres, de praias limpas e de uma população mais tranquila andando pelas ruas. Através da arte da fotografia, pude por muitos momentos sentir a atmosfera da cidade tal qual ela foi um dia, ou melhor, em muitos, muitos dias. Consultei outras publicações, incluindo um catálogo fantástico do cartunista J. Carlos (1884-1950), de quem sempre fui fã. Ele, com seus desenhos, retratou como ninguém os costumes cariocas. Homenageou as melindrosas, os foliões, satirizou os políticos e apresentou um Rio que começava a usar o telefone, ouvir rádio, frequentar a praia, ficar fanático por futebol e muito mais. Que emoção! Fui assim passeando pelo meu acervo até passar para um de livro de fotos da era moderna. E cheguei à conclusão de que o Rio não para de se transformar e se revelar aos seus cidadãos.
Nunca me esqueço de uma turnê que fiz no Centro há alguns anos com a minha mãe durante um período de férias, sobretudo, para admirar as construções históricas. É bom frisar que, quando se fala em passeio, minha mãe costuma dizer que “gosta de sair de casa para ver coisa bonita”. Neste clima, tiramos um dia para passear em todos os lugares que poderiam encantar os nossos olhos. Lugares já percorridos ou não. E assim visitamos o Mosteiro de São Bento, a Igreja da Candelária, Confeitaria Colombo, o Liceu Literário Português e fizemos uma visita guiada à Biblioteca Nacional, onde depois paramos do lado de fora e ficamos a admirar a paisagem encantadora da Cinelândia. Demos, por último, um pulo na modernidade e fizemos compras nas Lojas Americanas da Rua do Passeio. Mas, diria que um ponto alto do dia foi o almoço na Confeitaria Colombo. Se o centenário estabelecimento dá gosto só de olhar, o que dizer então de entrar, sentar e almoçar naquele buffet ao som de clássicos tocados ao piano? Não me lembro de ter visto minha mãe tão alegre com um almoço fora antes. Resultado do passeio? Alguns dias depois, ela já estava perguntando: “Quando vamos fazer a 2ª parte?” Afinal, não tinha dado tempo ver tudo que queríamos. Logo, voltamos ao Centro, visitamos o Real Gabinete Português de Leitura, fomos ao Convento de Santo Antônio e participamos de novas visitas guiadas, uma no Clube Naval e outra no Teatro Municipal. Entramos ainda no Centro Cultural da Justiça Federal, antigo Supremo, e apreciamos toda a sua arquitetura europeia. E o almoço? Lógico que repetimos a Confeitaria Colombo, com todo aquele ar de Paris no Centro do Rio de Janeiro. Um passeio de 1ª linha! Na verdade, não me recordo se o roteiro da turnê em dose dupla seguiu exatamente esta ordem, mas os locais, decerto, foram estes mesmos para nosso contentamento.
Nos últimos anos, vi e revi a maioria desses lugares e muitos outros. Seria impossível descrever todos. Contudo, sempre que tenho oportunidade saio para conhecer um cenário diferente, não importando o bairro. Gosto de sair e ficar em contato com o povo nas ruas. Pego quase diariamente o trem e o metrô e sinto a efervescência da cidade tanto no dia a dia quanto nos fins de semana. Ainda mais quando o Rio se envolve em eventos de grande porte como foram a Jornada Mundial da Juventude e a Copa do Mundo. Já estou pensando nas Olimpíadas, pois é uma delícia ver os habitantes do Rio e turistas de tantos países diferentes festejando juntos nessas épocas. Ainda, falta-me entrar no Novo Maracanã… Seja nos dias de festas ou não, se há uma atividade de que gosto é andar a pé; sair pelas ruas como um flâneur a admirar novos pontos ou descobrir novos sabores…
Fico, muitas vezes, a imaginar o meu Rio de Janeiro ideal, ainda de mais beleza, com ruas e águas mais limpas, com casas e prédios bem-conservados, sem pichações, e com o povo vivendo livre da violência e do fosso social. Embora esse seja o Rio dos meus sonhos, que inclui a reinserção do Palácio Monroe à paisagem local, não deixo de apreciar o Rio como ele é e curtir o fato de ter nascido aqui, na época ainda no Estado da Guanabara, mas sempre carioca.
Por falar nisso, houve diversos momentos em que já me senti uma autêntica carioca. E há muitos outros em que continuo a sentir-me… Pode ser tomando um chopp com o namorado no Bar Luiz no Centro ou com as amigas em um quiosque à beira da praia, curtindo os fogos do Reveillón ou passeando no calçadão de Copacabana. Pode ser andando pelo Aterro do Flamengo, admirando o Pão de Açúcar na Enseada de Botafogo, fotografando o Cristo Redentor visto do Parque do Martelo, Humaitá ou contemplando o pôr-do-sol no Arpoador. Pode ser pegando uma praia em Ipanema, dançando num bloco de Carnaval qualquer na Zona Sul, pegando um táxi para a Barra da Tijuca ou comparecendo a um evento como a Feira da Providência no Rio-Centro. Pode ser até comendo churros na calçada, fazendo compras no Norte-Shopping, Cachambi, no Shopping Center Nova América ou lanchando na sua extraordinária Rua do Rio, com bares e restaurantes moderninhos num ambiente de Rio Antigo em pleno Del Castilho. Pode ser passando pelo Jardim do Méier com seu característico coreto, frequentando perto dali a minha amada Basílica do Imaculado Coração de Maria, torcendo (claro!) pelo Flamengo, ou ouvindo um grupo de choro, bossa nova ou os sambistas da Portela, seja onde for…
Já que andei e rodei pelo Rio de Janeiro no tempo e no espaço através desta crônica e voltei para perto de casa, assim como às minhas preferências mais do que pessoais, vou parar por aqui. Afinal de contas, há pelo menos umas 450 possibilidades para sentir-me carioca. Cada vez mais… Feliz Aniversário, Rio de Janeiro!
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