Conjunto de fotografias coloridas msotrando trem azul na estação e pontos turisticos e bonitos da viagem do meier à central do brasil no centro do Rio

VIAGEM DE TREM DO MÉIER À CENTRAL E… VICE-VERSA

Ando de trem há anos e por mais rotineira que a viagem possa parecer, não me canso de observar o agitado cotidiano dos usuários. Todos aqueles trabalhadores das classes média e popular, ambulantes, benfeitores, pedintes, cantores, entre outros personagens, compõem um painel humano que realmente me fascina. E embora os tipos mais variados sempre circularam pelos vagões, os novos companheiros de viagem do Méier à Central do Brasil e da Central ao Méier continuam a surpreender-me.

Para começo de história, sempre gostei de andar de trem. Só de pensar que eu ia entrar numa condução que seguiria em uma só linha, ignorando o turbulento trânsito da cidade, já me dava a motivação necessária para embarcar. Olha que já peguei o trem em suas mais diversas fases, da extinta Rede Ferroviária Federal (R.F.F.S.A.) até a atual era da administração privada da Supervia. Só que, felizmente, andar de trem hoje é uma atividade que exige bem menos sacrifícios do que no passado quando era comum ver passageiros pendurados em portas abertas, os “pingentes”, ou então  “surfistas ferroviários” no alto dos vagões fazendo malabarismos, arriscando a vida e sentindo-se heróis. E embora longe de ser ideal, o trem parador de hoje circula bem mais vazio, com intervalos regulares de 10 minutos em dias úteis (especialmente de manhã), equipado com ar-condicionado, painéis eletrônicos, vídeos informativos e assentos confortáveis. Não posso esquecer-me de mencionar os bancos preferenciais e o vagão reservado às mulheres durante os horários de pico. Quanta diferença! Entretanto, os usuários sempre trouxeram bom-humor às duras viagens. Ainda me lembro da primeira vez que peguei um trem recém-inaugurado nos anos 1990 que, para os padrões da época, era de fato mais bonito, limpo e moderno. Na hora da parada em uma estação, um rapaz colocou o rosto para fora da porta e gritou com todo o entusiasmo: “Aí, favelado: trem novo!” E todo mundo riu. Pareceu-me que não havia uma pessoa sequer naquele vagão que não estivesse com um semblante alegre e se sentindo um cidadão mais bem-tratado. Os tipos de passageiros, portanto, sempre foram um caso à parte.

Vejamos o caso dos ambulantes. Antes de o real ser adotado como moeda oficial no país, já me intrigava a incrível estratégia de comunicação que os vendedores usavam para realizar suas transações. Pois, o dinheiro brasileiro vivia mudando de nomenclatura e valor. Só eu – que não sou tão antiga assim – conheci o Cruzeiro, Cruzado, Cruzado Novo, Cruzeiro novamente e Cruzeiro Real antes de junho de 1994. Lembro-me que, com os cortes nos zeros do nosso dinheiro devido às sucessivas desvalorizações, em 1989 algo que custava 50.000 cruzados passou a custar 50 cruzados novos e a confusão geral instalou-se até porque, as duas unidades foram aceitas durante a fase de transição e deram um nó na cabeça de todo mundo. Porém, não importando a moeda em vigor em qualquer época, os vendedores na cidade conseguiam se entender bem com a população em geral, pois há muito tempo já tinham adotado moeda própria: o “mil réis”, antigo múltiplo do “real” usado em nosso território na era da colonização portuguesa! O “mil réis” passou a ser o nome usado oficialmente no Brasil Imperial em 1833 e, pelo que eu vi, foi a moeda mais popular do país em todos os tempos. Lembro-me que certa vez, já em 1994, eu passava pelo Jardim do Méier e ouvi um senhor falando bem alto: “Fita isolante e durex é cem mil réis!” E a compradora pagou com uma nota de 100 cruzeiros reais e saiu com a mercadoria. E os ambulantes do trem não ficavam atrás na adoção desta unidade monetária… Segui para a estação de trem e logo ouvi lá dentro um jovem ambulante anunciar: “Caramelo é cem mil réis!” e mais adiante um outro: “Pastilha de hortelã é cem mil réis!” E um rapaz sem titubear pagou também 100 cruzeiros reais, dinheiro que circulava no país desde o ano anterior. Sei que era falar em “mil réis” que todo mundo acertava fazer a conversão automática. E assim os ambulantes ferroviários fizeram seus negócios com os usuários dos mais diversos níveis de escolaridade, faixas etárias e resistiram a todos planos econômicos antes de a moeda ser novamente o Real e substituir o “mil réis” na popularidade. Sinal que o povo sempre gostou mesmo do nome das moedas do tempo do Império…

Atualmente, pego o trem na estação do Méier para ir ao trabalho de segunda à sexta-feira. A rotina diária é entrar e procurar um assento em que posso passar a minha viagem em companhia de uma boa leitura que sempre levo comigo. Isso tentando ignorar os anúncios dos vendedores e conversas ao meu redor ao vivo e pelos celulares. Volta e meia aparece alguma personalidade mais eloquente ou exótica tentando anunciar-se com algum diferencial.

E quando eu pensava que eu já tinha visto de tudo no trem, do ano passado para cá apareceram ainda novos tipos. Os artistas se proliferaram. Se antigamente, o máximo que havia era algum grupo tocando samba ou pagode por diversão, ou ainda pessoas cantando música evangélica, agora é cantor de Rap, MPB, música Pop em inglês, ou melhor, uma língua alternativa inspirada no inglês, e até dançarinos de Hip-Hop, tudo para arrecadar alguns trocados… É claro que não é sempre, mais já houve dia que a minha volta do trabalho foi uma festa… Um dos “artistas ferroviários” de quem mais gostei foi o Juvenal, que se autointitulou “O Stevie Wonder do Trem”. Era um negro alto, sorridente, na casa dos 60 anos, usando óculos escuros, camisa da seleção brasileira, capa verde e peruca loura carnavalesca toda cacheada e empunhando um violão, ou seja, uma “figuraça” que era uma simpatia só. Cantou, contou histórias, e tocou um repertório do Pop Internacional que, pelo que me lembro, passava por nomes famosos como Paul McCartney, Elton John, Bob Marley e, é claro, Stevie Wonder. Ele se prontificou a cantar “I’ve Just Called to Say I Love You” e foi uma graça! Alegrou como ninguém o nosso vagão. Ganhou cumprimentos, tiraram-lhe fotos e foi o centro das atenções da viagem. Além de ter descontraído  a todos, provavelmente arrecadou bem naquele dia. Dá-lhe Juvenal!

E os vendedores? Cada vez mais criativos. Quem pega o trem na Estação Central do Brasil sabe muito bem que, nos horários depois das 18h, quando se abrem as portas do trem há a famosa correria, muitas vezes com empurra-empurra na disputa pelos lugares do vagão. A seguir, entram os ambulantes. Outro dia, quando houve atrasos nos trens,  entrei no vagão feminino superlotado e, logo após, chegou uma senhora que deu um grito tão estridente que assustou a todas, mais ou menos assim: OOOOOOOOOOOOOOOOOOh!  E alguém falou: “Que é isso? Tá doida?” E ela, com seu vozeirão, foi anunciando que vendia aparelhos de massagem e se apresentou como “Negona do Trem”. Ela falava sem parar e mesmo com pouquíssimo espaço disponível conseguiu a façanha de locomover-se entre as usuárias aplicando o massageador nos ombros e costas de quem pôde. E quando via algum homem tentando entrar no vagão, gritava em alto e bom som: “É FE-MI-NI-NOOOOOO!!!!!!” E botava os homens para correr enquanto arrancava risos das mulheres. Uma passageira, vendo o método ser mais do que eficaz, falou a ela: “Pôxa, você tá melhor que os seguranças, hein? Acho que deviam lhe contratar…” E a vendedora respondeu sem modéstia: “É sim, nem sei porque a Supervia não me contratou ainda.” E para coroar a viagem, ela viu uma jovem grávida com uns 8 ou 9 meses de gravidez viajando em pé diante do banco preferencial e ninguém ali se manifestava. Então a ambulante deu conhecimento a todas sobre a situação e pediu que alguém cedesse o lugar à futura mãe. Os comentários indignados começaram a circular e uma jovem que sentava no banco preferencial resolveu levantar-se. Se a vendedora antes tinha chegado a incomodar com tanto falatório, depois dessa ela arrasou. E vendeu como ninguém. Só ouvi elogios sobre o massageador e um monte de usuárias comprando. O aparelho custava R$ 15,00, e a ela dizia: “Hoje só tem freguesa abençoada neste trem. Todo mundo só me dá nota de R$ 50,00. Quem troca para mim?” E ela arrumou troca para todas as notas. Saltei no Méier impressionada, pois ela não parava de vender. Foi uma das mais bem-sucedidas ambulantes que já vi em toda a minha vida. Acho que até eu vou comprar um massageador daqueles se eu encontrar essa vendedora “sui generis” em outra ocasião.

Enfim, no trem as novidades não param. Independente da época ou a situação econômica, o trem é cenário vivo de modismos, costumes e revelações onde a  criatividade do povo sempre encontra espaço, não importando o quão cheio esteja o vagão… E parodiando a música do falecido Tim Maia “Do Leme ao Pontal”, eu afirmo que a viagem de trem “do Méier à Central, não há nada igual…” e vice-versa também.

 


Comentários

2 respostas para “VIAGEM DE TREM DO MÉIER À CENTRAL E… VICE-VERSA”

  1. Já tomei muito susto como essa vendedora nada discreta! rsrs

    1. Boa tarde, Heryka!
      Obrigada pelo comentário! Realmente, discreta não é um adjetivo que caiba àquela vendedora…rsrs
      Eu resolvi ilustrar a crônica com o episódio da ambulante porque foi mesmo “sui generis”. Pelo menos, deu para aliviar a tensão daquele vagão feminino superlotado. Demos umas boas risadas e a vendedora ainda fez boas ações. Depois nunca mais a vi.
      Não sou fãs desses camelôs no trem, mas valeu essa experiência… Seja bem-vinda ao meu site, querida Heryka!

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