Conjunto de fotografias coloridas do passeio com as crianças da escola Dom Cipriano Chagas.

UMA TARDE NA ESCOLA DOM CIPRIANO CHAGAS

No período olímpico, entre as minhas várias andanças, aproveitei uma tarde para fazer algo que há muito tempo era do meu desejo. E não se tratava de assistir a alguma modalidade esportiva, mas de fazer uma visita, sem horário para voltar, à minha escola predileta: a Escola Dom Cipriano Chagas em Botafogo. Apaixonei-me por esse projeto da Sociedade Providência assim que fiquei sabendo de sua existência. Portanto, foi um caso de amor anterior à primeira vista. Tudo porque a escola só atende crianças de famílias de baixa renda e tem como objetivo proporcionar-lhes gratuitamente uma educação que transcende a escolarização básica. Pois a Dom oferece formação católica, assistência psicológica, integração social, atividades recreativas, esportivas, culturais, entre várias outras e valoriza a participação das famílias no processo educacional de seus filhos. Além disso, as dependências da escola incluem refeitório, capela, brinquedoteca, horta, quadra de esporte, biblioteca e… já até me perdi. Não há nem como descrever tudo. Com todo esse leque de opções, eu sabia que no dia da minha visita agradáveis surpresas me aguardariam…

O dia escolhido foi o do “VII Encontro com Autor 2016” que faz parte do projeto literário “Sexta Arte – Formando Leitores, Mudando Histórias” idealizado pelas pedagogas Fernanda Marsico e Nicole Cezar de Andrade. A iniciativa leva mensalmente um autor de livros infantis para contar suas histórias às turmas do 1º e 2º anos do Fundamental, além de distribuir exemplares autografados aos alunos e à biblioteca da escola. Dessa vez, tive o privilégio de conhecer uma jovem autora, a Ana Luiza Sliachticas Caetano, que surpreendeu a todos, pois era uma velejadora que já participara de muitas competições com apenas 13 anos! E, em 2013, lançou “Bons Ventos – Diário de Aventuras Iradas” ilustrado pelo seu irmão João Caetano, também adolescente. Ana Luiza e João inovaram ao ir à apresentação não somente acompanhados dos pais como também de um dos grandes protagonistas do livro: o barco a velas… A partir daí, soltaram-se quaisquer amarras que poderiam prender a imaginação.

Ao se depararem com um barco em plena biblioteca, as crianças não se contiveram diante de tamanha novidade, no sentido literal e figurado. O barco, apropriado para crianças de 7 a 15 anos, era todo branquinho e integrou-se perfeitamente ao cenário alegre e colorido da biblioteca, repleto de livros infanto-juvenis modernos e obras literárias consagradas. Todas as turmas tiveram o prazer de ver a embarcação. E quando Ana Luiza ou “Lulu”, como ela carinhosamente se apresentou, começou a falar às turminhas do 1º e 2º anos, a curiosidade tomou conta do ambiente. As crianças mostraram-se ouvintes atentas, levantando o braço sempre que queriam fazer perguntas e não faltou quem respondesse com entusiasmo às indagações da autora. Entre as perguntas dos alunos, uma das prediletas foi: “Como o barco entrou aqui?” Nem foi preciso Ana Luiza responder, pois as próprias crianças notaram a porta aberta na lateral da biblioteca. Uma e outra pergunta surgiam, porém a questão campeã em atiçar a curiosidade infantil foi a seguinte: “Como o barco anda com essas rodas?” A visão de um barco sobre um suporte com rodas parecia intrigante… Depois de sanar as dúvidas sobre o barco, Lulu passou a narrar as suas experiências como iatista. Contou que já tinha visto de perto animais como golfinhos, baleias e tubarões, enfrentado uma tormenta durante regata em São Paulo, participado de uma competição de adultos quando ainda era velejadora-mirim, além de relatar outras histórias pitorescas. Diante de tantas novidades, a imaginação das crianças (assim como a minha) navegava pelas aventuras marítimas da autora. Fiquei a imaginar como uma menina aos 7 anos já velejava e como conseguiu desenvolver tamanha perseverança para enfrentar as águas, os ventos e as temperaturas nem sempre favoráveis pelo nosso Brasil. É de se louvar ainda a bela ousadia de registrar suas melhores histórias em um diário e decidir publicá-las com tão pouca idade. A curiosidade não tomou conta só das turminhas, com certeza, também tomou conta de mim…

Ao fim do encontro, as crianças levantaram-se e puderam entrar no barco, tocar a vela, segurar no leme, até mesmo sentar-se e sentir-se no lugar do velejador. Elas posaram animadamente para as fotos e todas ganharam um livro com o autógrafo de Ana Luiza. Além disso, elas tiveram a chance de escrever, desenhar e participar de um sorteio de canecas, garrafas plásticas e livros em que todos os contemplados saíram sorridentes. Um verdadeiro sucesso! Para fechar a minha visita com chave de ouro, ou medalha de ouro, seguindo o espírito olímpico, ainda assisti a uma alegre peça teatral encenada por meninas de outra turma, que contou até com número musical coreografado. Um trecho da canção dizia assim: “… de 0 a 10, a Escola Dom é mais de 100!” O verso ressoou nos meus ouvidos e na minha memória. Assim, pude ver em ação o lema da escola “EDUCAR para que cada criança se permita SONHAR, ACREDITAR e TRANSFORMAR.” Uma visão que contribui, inclusive, para que todos os adultos envolvidos no projeto – professores, monitores, voluntários, funcionários, parceiros ou benfeitores – possam também permitir-se a ter novos sonhos e acreditar que é possível oferecer a todas as crianças, independente de classe social, uma educação de alto nível com prazer e criatividade.

E o que tenho a dizer das crianças? Umas gracinhas! Assim que cheguei, vi a turma dos mais novos esperando para entrar na biblioteca. Logo, um menino bem bonitinho acenou para mim e disse: “Oi, tia!” Sorri e retribuí a saudação com alegria. Algumas crianças também ficaram curiosas com a minha presença e me perguntaram se eu era da família da Ana Luiza e do João. Durante a apresentação, uma aluna me perguntou: “Tia, você é mãe deles?” No final, uma outra olhou para mim e indagou: “Tia, você é tia deles dois?” Após a peça teatral, vi umas meninas com revistas em quadrinhos nas mãos, e como admiradora de quadrinhos infantis, parei para olhar e uma logo falou: “Tia…” Como em um “efeito cascata”, mais tarde ao entrar no meu prédio, uma garotinha apontou para mim e disparou… já sabem o quê: “Tia!” E depois disse que tinha uma blusa das Olimpíadas igual à minha. Vou confidenciar uma coisa aqui: amei ser chamada de tia por tantas crianças… Voltando à visita, quando tirei fotos do evento, muitos alunos posaram entusiasmados e gravou-se na minha mente a imagem de uma menina que estendeu os braços ao longo da borda do barco e sorriu para a câmera toda graciosa. Fiquei mais do que feliz.

Naquele dia, com certeza, os bons ventos me levaram à Escola Dom Cipriano Chagas. Quando fui até lá, eu não tinha a menor ideia do que aconteceria; só que haveria um encontro com um autor convidado da Sexta Arte. Assim como os alunos, nunca pensei um dia em ver um barco dentro de uma biblioteca e nem conhecer uma escritora tão jovem! Também foi emblemático ouvir as histórias de uma velejadora justamente na véspera de o Brasil ganhar mais uma medalha de ouro no iatismo e, pela primeira vez, conquistada por uma dupla feminina*. Sensacional! Com Ana Luiza, pude embarcar no seu projeto e sentir-me também a velejar pelas águas da Literatura… Depois transportei-me para a arte da fotografia, do teatro, da música e dos quadrinhos. Arte, arte, arte! Saí de lá com a ideia de que eu vivera um dia altamente inspirador… Foi uma experiência ímpar passar a tarde com crianças atenciosas, alegres e bem-educadas, conhecer novos talentos, além de ter sido, mais uma vez, muito bem-recebida pelos funcionários e pela Gabriela*, diretora da escola. Fico aqui com um gostinho de “quero mais” torcendo para que eu possa desfrutar de mais oportunidades como essa. Pois com tantas conquistas nas modalidades empenho, carinho e dedicação às crianças, a Escola Dom já está no pódio dos corações de todos nós participantes dessa obra maravilhosa, onde, no fim das contas, saímos sempre vitoriosos…

*Obs1: A dupla feminina Martine Grael e Kahena Kunze, em 18/08/2016, conquistou a medalha de ouro para o iatismo do Brasil nas Olimpíadas do Rio de Janeiro. 

*Obs2.: Anna Gabriela Malta, fotógrafa, escritora e gestora escolar.

 


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