Após ler “Piquenique na Solidão” e “Rotina” da minha cronista predileta Elsie Lessa, fiquei a pensar na riqueza dos dois temas tão diferentes entre si e que curiosamente foram abordados um depois do outro na seleção de crônicas “A Dama da Noite”. O primeiro texto fala do prazer de explorar o novo em nossa própria cidade, tal como pegar uma condução para um bairro desconhecido, comprar em uma loja em que nunca entramos, andar por ruas inesperadas, sentar em um restaurante qualquer, conversar descontraidamente com um estranho e desfrutar de um dia repleto de novidades. O segundo texto trata da falta de gratidão que as pessoas têm em geral ao não reconhecer as maravilhas das quais muitos de nós podemos desfrutar como tomar um saboroso café da manhã, dormir em bons lençóis, ler jornal, e até tomar um banho de chuva. Assim, passamos os dias sem perceber que “o sol se acendeu na maior lindeza, em frente à nossa janela”, como diz a autora, e não agradecemos pela saúde, paz e alegria de um dia, mas quando nós perdermos algumas dessas dádivas, entramos em desespero.
Vou começar minhas reflexões pela ordem inversa e analisar a segunda questão. É sempre difícil apreciar as maravilhas com que me deparo durante o dia, mas sei que nem sempre foi assim. Quando era criança, eu ficava longo tempo admirando o que via ao meu redor. Depois lembro-me da época de faculdade em que vivia embevecida no mundo da literatura e das artes. Só não sabia sentir-me tão agradecida porque não tinha a noção que tenho hoje da obra divina, mas eu sabia apreciar o cotidiano. Muito desse meu olhar de fascínio com o tempo foi se perdendo. Mas, nos últimos anos, após tanto ser lembrada da importância da gratidão por coaches, psicólogos e sacerdotes, estou convencida que as coisas boas da vida estão em todo o lugar e basta olhar com atenção para encontrá-las. E aí devo recorrer ao meu olhar infantil para que isso aconteça. Reconheço a importância do agradecimento e concordo que muitas vezes não apreciamos o que vida oferece de belo e só o percebemos quando nos falta.
Quanto à primeira crônica, essa trouxe-me à memória toda a sensação prazerosa de provar o novo. Uma atividade sempre intrigante, lírica e motivadora como nas palavras de Elsie Lessa: “Abra largamente as janelas para o horizonte e olhe as casas que amanhecem, o rumor dos veículos lá embaixo na rua, um pedaço de praia ou de montanha, como se o visse pela primeira vez.” E com essa inspiração devemos sair para viver o ineditismo do dia. Se há uma ideia que sempre me agradou foi esta: sair de casa para conhecer outros lugares e viver novas experiências. E não há férias que eu não procure por essa sensação. No meu mais recente período de folga em janeiro deste ano, por exemplo, planejei sair sozinha e tirar o dia inteiro livre. E o melhor de tudo: consegui. Não fui a nenhum lugar 100% desconhecido ao contrário da proposta da autora, porém tive experiências bem fora da minha rotina diária.
Arrumei-me ainda pela manhã, saí e peguei o trem e o metrô na hora que quis e saltei no Centro da cidade. Lá, parei para olhar uma vitrine de uma loja pela qual passo quase todos os dias, mas como em “Piquenique na Solidão”, eu nunca havia entrado. Fiz uma ótima compra, segui pelo Novo Passeio Público e fiquei a apreciar as melhorias feitas na Av. Rio Branco para as Olimpíadas de 2016. O caminho pode até ser meu velho conhecido, porém esse ar e aparência renovados deram um frescor na paisagem que não me canso de admirar. Entre as minhas descobertas, despontou o restaurante do Clube Militar. Detalhe: estou há anos para conhecê-lo. Cheguei, escolhi meu prato, sentei-me em uma mesa confortável, pedi a bebida para um garçom muito bem-vestido, apreciei a decoração, assisti a umas notícias em um telão de TV, terminei calmamente meu almoço, paguei muito menos do que imaginava e, na hora da saída, entre outras cortesias, tomei um pequeno copo de caipirinha para finalizar a visita com “drink de ouro”. Comecei bem o passeio!
Embalada nesse pique, andei até a Estação Carioca e peguei o bonde VLT na minha estreia como usuária do mais novo veículo da cidade. Aliás, a atividade figurava entre as sugestões de Elsie Lessa, sendo que a versão antiga do bonde não deveria ter comparação com a atual. O VLT deslizava sobre os trilhos e as largas janelas do veículo não deixavam o passageiro perder nenhum detalhe do cenário. Isso, claro, porque não estava lotado. O trajeto foi curto, mas a satisfação foi grande. Depois, saltei e fui a pé com toda a disposição conferir o Mosteiro de São Bento após a reforma. Foi crescendo em mim a ânsia de rever as instalações que não visitava há mais de dez anos! Porém, como não resisto a uma boa livraria, no meio do caminho, resolvi entrar na *Comunidade Emanuel disposta a sair de lá com alguma aquisição. Chegando lá, deixei os livros de lado e decidi comprar CDs de palestras e até um DVD para usufruir de mais momentos de sabedoria. Pela primeira vez, conversei com uma simpática vendedora e, com isso, demorei-me lá bem mais do que eu pensava. A visita ao Mosteiro, entretanto, não podia ser esquecida. E por mais incrível que pareça, de um pequeno trecho de uma rua para outra, quase me perdi… Na Rua Dom Gerardo, informaram-me que eu poderia subir ao Mosteiro por um recém-inaugurado elevador. Animei-me com mais uma novidade e lá fui eu, mas eu olhava para a direção indicada e não conseguia encontrar nada. Depois de olhar e reolhar em vão, perguntei a dois trabalhadores de obra onde ficava o tal elevador. O primeiro não sabia nem que ali havia um Mosteiro e o segundo não sabia que havia elevador. Era só o que me faltava… Quando já tinha me decidido a subir a pé, um terceiro ouviu a conversa e, para meu alívio, me indicou o caminho certo.
Subi, passei por um setor também em obras e por fim entrei no Mosteiro. E grande foi o meu encanto. Encontrei um grupo de turistas estrangeiros que pouco depois saiu e – quem diria? – o Mosteiro tão belo e grandioso em seus detalhes arquitetônicos passou a ser quase todo meu… Parei para olhar imagem por imagem e contemplei as peças, pinturas e pormenores da nave, do presbitério, dos confessionários, e de tudo o que eu pudesse admirar. Ajoelhei-me, orei o tempo que julguei necessário e passei a fazer incursões em partes anteriormente inexploradas por mim, incluindo as laterais internas e o Batistério. Aquele ambiente espiritual construído em 1590 com tanto esmero me preencheu de paz e satisfação. E pensar que a beleza desta obra fundada pela Igreja Católica até hoje resplandece com seu estilo colonial no Centro do Rio de Janeiro… Depois desses momentos contemplativos, saí e entrei na livraria (minha parada obrigatória), passei lá mais de uma hora de prazer e escolhi novos títulos para a minha coleção. Na saída, olhei e despedi-me do Mosteiro na certeza de que tinha passado realmente uma tarde feliz.
Ainda encontrei forças para andar até a Estação de metrô da Uruguaiana, saltar na Central do Brasil e pegar um trem no retorno à casa. Depois de tanta andança, eu comemorava as calorias perdidas e as alegrias vivenciadas. De fato, essa foi a experiência mais próxima que tive nos últimos tempos de um “piquenique na solidão”. Que mais programas como esse venham por aí! Contudo, ainda não descartei a ideia original de Elsie Lessa de fazer uma jornada ao desconhecido no Rio, incluindo passar por casas e olhar para mobílias, rostos diferentes, gatos em janelas e aspirar o aroma de um café bem quentinho preparado na hora. E no final da tarde, para coroar minha conquista, exatamente como na crônica, sentar em um bar e pedir uma boa cerveja gelada… Ah, conselhos assim, com certeza, eu não vou dispensar…
Só de imaginar as cenas, já me sinta grata. A partir de agora, tanto pela aventura ou pela rotina, vou procurar mais motivos para agradecer a Deus. Recomeço agora pelas crônicas e dicas da minha querida Elsie Lessa.
Obs.: A Comunidade Emanuel é uma instituição fundada pelo monge beneditino Dom Cipriano Chagas, ligada à Renovação Carismática Católica.
Fonte consultada:
LESSA, Elsie. A Dama da Noite. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1963.
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