De repente, senti-me saudosa das minhas mais recentes férias. Querem saber o motivo? Tiveram como cenário a Califórnia e em pleno verão americano. Lembro-me feliz da paisagem da região dos vales e suas cidades pequenas e acolhedoras, sempre calmas e com toda a estrutura possível para uma vida confortável. Se estas cidades eram tão bem-estruturadas a ponto de me causar surpresa, então, imaginem as maiores como Santa Bárbara e Los Angeles… No entanto, não importando o tamanho do município, em todos os lugares, notei duas características em comum: a qualidade e a eficiência. Podia ser no trânsito, no comércio, no transporte, no restaurante ou numa rua qualquer, havia sempre a marca da organização e do respeito ao cidadão. Diante dessa realidade, comecei a fazer-me um questionamento fundamental: “Como as coisas nos Estados Unidos podem funcionar tão bem?” Haveria como encontrar uma só resposta?
Embora foi o meu primeiro contato nos EUA, não foi muito difícil constatar que a cultura do povo faz muita diferença e o senso de ordem também. Nas primeiras compras que fiz por lá, fiquei impressionada como em todos os estabelecimentos me deram prontamente a Nota Fiscal sem que eu precisasse pedir e as taxas cobradas eram mínimas em comparação às nossas. Deu gosto constatar que lá o cliente compra o produto que deseja sem nunca se sentir lesado e muitas vezes pode encontrá-lo ainda com generoso desconto. Além disso, confesso que foi um prazer à parte fazer compras em dólar… Nem imaginava isso, mas senti-me simplesmente “poderosa”… E quando pude fazer o “self check-out” no supermercado? Foi o máximo saber que eu podia pagar numa máquina que registrava os produtos pelo código de barras e eu podia inserir as notas como faço com a recarga do meu bilhete de metrô. Depois eu levava a mercadoria e fim de papo, ou melhor, sem papo… Claro que havia câmeras no local, algum segurança e tenho certeza de que poucos se arriscariam ir embora sem pagar qualquer coisa. Pois, lá quem é pego cometendo delitos, recebe penalidade na certa. Mas, não vi nenhum indício que alguém tentasse. Sinal claro de uma sociedade que passou por uma evolução e o cumprimento da lei já se incorporou ao cotidiano.
Saindo às ruas, a sensação de segurança é clara e dispensa uma maior circulação de policiais. Por falar nisso, todo cuidado no trânsito é pouco, pois se, por exemplo, um policial flagrar alguém em um carro sem cinto de segurança em Simi Valley, a multa será de apenas… 1000 dólares! Isso mesmo! O mesmo sucede em outras áreas. Se não me falha a memória, se alguém jogar lixo nos terrenos da cidade, a multa será de… 1000 dólares! Este é o custo real para se morar em região com organização nota 1000. Querem um outro tipo de exemplo de disciplina? Os horários de abrir e fechar as lojas, bibliotecas e exposições; eles são sempre respeitados. Se o horário de uma visitação for até às 17 horas, você tem que acabar de ver tudo antes das 17 horas ou terá que voltar em outra oportunidade.
Não consigo também esquecer-me da excelência dos Shopping Centers locais. Eram enormes e planejados em formato de bairros. Os visitantes passeavam em ruas em que havia lojas nos dois lados da calçada. E podiam-se avistar praças, jardins, chafarizes, postes em estilo antigo, plaquinhas de sinalização e mais cinemas, cafés, restaurantes e tudo que um bairro bem-organizado possui. Em quase todos os lugares, os atendentes recebiam os clientes com um “Hi” (Oi) ou “Hello” (Olá) e eram geralmente práticos e rápidos. Mas, no The Oaks Mall, encontrei uma alegre exceção, pois há sempre quem goste de um boa conversa, ainda mais para convencer o cliente. Deparei-me com uma vendedora de cosméticos 100% extrovertida, engraçada e versátil. Ela falava dos produtos do seu quiosque com entusiasmo total. Disse que era da Flórida, já tinha morado em Israel, Austrália e França e – ao saber que eu era do Rio – afirmou que eu tinha o sotaque mais bonito que ela já tinha ouvido (!) e que deviam ser maravilhosos o Carnaval e também o Reveillón em Copacabana. Enquanto eu escolhia os produtos, divertia-me com os elogios desmedidos e essas “histórias de vendedora”, mas ao mesmo tempo me desanimava com os preços altos. Ao perceber o drama, ela me ofereceu uma promoção tão boa que finalmente conseguiu fisgar-me. Antes de eu pagar, ela me garantiu que ainda viria ao Brasil e sairia em um Carnaval comigo, que entre os países que ela conhecia o melhor era a Austrália e que os homens mais bonitos de todos eram os da França. E ainda soltou um sonoro “U-la-lá, você nem pode imaginar”! Eu só sei que saí de lá com produtos de beleza de primeira qualidade, cheia de amostras grátis e, ainda por cima, adquiri tudo com 59,35% de desconto! U-la-lá!
Agora, volto-me à pergunta inicial: “Como as coisas nos Estados Unidos podem funcionar tão bem?” De certo, não faltam hábeis comerciantes que procuram atrair o freguês, o turista e o cidadão comum. O ideal de trabalho aliado ao sucesso parece já fazer parte do “American way of life”; algo que senti até mesmo no uso do idioma. Como passei 15 dias falando inglês, pela primeira vez pude reparar como os nativos da língua recorrem aos verbos “do” (fazer) e “work” (trabalhar/funcionar/surtir efeito). Na verdade, foram os dois verbos que mais usei enquanto estive por lá. Verifiquei que o “do” era usado para expressar muitas atividades práticas como “do the dishes” (lavar louças), do crosswords” (resolver palavras cruzadas) e até para saber se a pessoa já tinha acabado uma refeição ou uma tarefa específica “Are you done?” (Já terminou?) E no caso do “work”, o mais interessante é que ele transmite a ideia da execução de um trabalho como algo positivo. Reparem nas frases: “Does it work?” (Isso funciona?)”, “Is the medicine working?” (O remédio está surtindo efeito?) ou – lembram-se desta música dos Beatles? – “We Can Work it Out” (Podemos resolver isto). Em todos os exemplos, a ideia de funcionalidade acompanha a de positividade. Enquanto isso, parei para pensar como o trabalho é visto negativamente em nosso país. Vejam os casos de “estou indo à luta!”, “vou ralar” ou “pego firme no batente todo dia”. A ideia implícita é a seguinte: quem trabalha, na verdade, faz um grande esforço ou vai para um sofrimento, ou mesmo uma batalha, tanto que uma mulher que é dona de casa e exerce uma profissão é vista como uma “mulher-guerreira”. Na língua inglesa, outro significado para “work out” é “fazer exercícios físicos” que, como já vimos, também significa “resolver/solucionar”, ou seja, algo que dá certo. Já no Brasil, quando alguém vai para a academia de ginástica, diz que “vai para a malhação”. Quando eu era criança, a única malhação que eu conhecia era a do Judas na Semana Santa. Além do mais, o verbo malhar também significa “falar mal”, como em “a diversão dele é malhar os outros.” Notaram a diferença? Em inglês, a ideia de ações expressas pelos verbos “do” e “work” é totalmente diferente da que temos no português do Brasil. Sinal que a língua é mesmo um reflexo do povo e o inverso também.
Enquanto curto a primavera carioca, vou refletindo sobre todas essas questões e me lembrando daquele verão americano e de que como ele tornou-se inesquecível nos mais diversos sentidos. Mas, decerto, a questão da qualidade de vida e a eficiência diária tão cedo não sairão da minha cabeça. Agora eu fico me indagando o que farei nas próximas férias. E como outras viagens em terras estrangeiras não serão possíveis tão cedo, pelo menos não mais este ano, vou me animando para as próximas aventuras de 2017 em terra local. Ainda que eu esteja trabalhando (no bom sentido), virão, por aí, mais crônicas em ritmos de férias…
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