Sexta-feira 13. Um dia como outro qualquer (?). Em tempos de surtos assustadores como o Coronavírus, em que acompanhamos a notícia de uma Itália de portas fechadas e o Ministério da Saúde dando diariamente alertas para os brasileiros, a data é a que menos assusta… Naquela sexta-feira, como milhares de usuários, saí e peguei o trem diário rumo à Central do Brasil. Estava com um resfriado que me incomodava bastante, mas não o suficiente para incomodar minha prática de ler durante a viagem. Aliás, para mim, é uma atividade mais do que salutar. Na maioria das vezes, chego ao trabalho satisfeita com as minhas reflexões, ponderando sobre os mais variados assuntos. O tempo passa com prazer enquanto leio livros ou artigos sobre cristianismo (em geral), catolicismo, psicologia, PNL, administração, entre outros. Também gosto de um romance ou uma boa biografia. Para quem pode pensar que só leio assuntos elevados, muito intelectualizados, saiba que, não raro, pode encontrar-me na volta para casa lendo simplesmente um gibi para meu entretenimento. Sem mencionar que pode também flagrar-me dando discretas risadas das historinhas… No entanto, para quem não pega o trem, não imagina os desafios de usar um vagão de transporte público como sala de leitura.
Chegando à estação do Méier, começo já a ler. Os anúncios transmitidos pelo auto-falante dos destinos de cada composição querem atrapalhar-me, sendo que logo entro no ritmo. A concentração é quebrada com a chegada do trem e, independente de conseguir sentar-me ou ficar de pé, tento engrenar na leitura novamente. Pego o meu livro, ponho os olhos no texto e logo começo a empolgar-me. Por pouco tempo… Não tardam os ambulantes a falar bem alto: “Bom dia, desculpe-me interromper o silêncio (?!) da sua viagem…” E depois vem um outro vendedor e… diz a mesma coisa. Outros não pedem desculpas, saem vendendo sem nenhuma preocupação com o silêncio. Em certas ocasiões, um ambulante passa pelo outro disputando quem anuncia seu produto mais alto. Aparecem também pessoas necessitadas pedindo ajuda. Muitas vezes, vejo, ou melhor, ouço passageiros que ficam o trajeto todo falando ao celular, que já estão ficando tão ou mais frequentes do que as conversas entre as pessoas acompanhadas nos vagões. É uma raridade o dia que não é assim… Quando não é, a leitura flui e me envolve de tal forma que me transporta para os cenários que só mesmo um texto bem-escrito me pode levar. Mas, voltando ao dia a dia, outra coisa que não falta são os barulhos produzidos pelos próprios trens quando passam e os avisos da Supervia de estação em estação. Por vezes tenho que parar; confesso que até me irrito um pouco em certas ocasiões, ainda assim, procuro não desistir. Na maioria das vezes, em meio a toda esta turbulência, sigo intrépida na minha leitura, convicta de continuar. Chego a ficar tão envolvida com a profundidade do texto que ignoro todos os sons ao meu redor (!). Fico absorta com o meu mundo de novidades… Às vezes, até me surpreendo com isso. Como consigo? Nem sei. Só sei que consigo e sigo em frente.
E, afinal, o que, aconteceu então de tão especial naquela sexta-feira 13? Algo apavorante, intrigante, inibidor? Não mesmo. Resolvi ler notícias sobre a organização “Ajuda à Igreja que Sofre” e, depois disso, senti-me absolutamente revigorada ao saber que existem pessoas tão dedicadas a fazer o bem às outras ao redor do mundo. Por uma feliz coincidência, só depois que fechei a publicação entraram três jovens alegres e simpáticos anunciando que faziam parte do Projeto “Arte no Vagão”. Falavam animados em ritmo de rap, porém escolheram um repertório de música negra americana mais antiga para o número que fariam a seguir. Soltaram o som com James Brown para esquentar e, logo após, tocaram “You Gotta Be Startin Something” de Michael Jackson na íntegra. Aí o vagão virou palco e pude assistir a um show de dança com rodopios, malabarismos, saltos mortais e muito bom humor. Enquanto um dançava os outros apresentavam o colega da vez. Eram dois jovens cariocas, lembro-me apenas que um deles era de Madureira, e o terceiro era apresentado como o “filho da Joelma e do Chimbinha” (Banda Calypso) vindo direto do Pará, que fazia acrobacias em estilo Homem-Aranha. Ele girava com desenvoltura e quando girou perto de uma moça, esta se assustou tanto que se levantou e foi direto para outro vagão. Só ela. Muitos ainda permaneceram entretidos com os seus smartphones e vários outros, em contrapartida, ficaram a apreciar o número sensacional do trio mais do que elétrico em ação. Ao término da apresentação, os rapazes já ofegantes pediram aplausos para quem gostou – que não foram poucos – e passaram o tradicional chapéu, ou melhor, os chapéus. Não sei o quanto arrecadaram, mas com a saúde e disposição que eles tiveram de sair dançando de vagão em vagão, devem ter faturado uma graninha boa no fim do dia.
E assim, passou-se a minha viagem de forma mais do que prazerosa. Não houve resfriado, ameaça de vírus ou conversa sobre a sexta-feira 13 que me tirasse a alegria de andar no trem com minha excelente leitura para fazer-me companhia e, ao final, ser agraciada com um rápido e estimulante show de jovens talentosos. Embora não seja do meu agrado a maioria das apresentações que vejo no trem, já tive oportunidade de ouvir verdadeiras pérolas como um flautista tocando Toquinho/Vinícius/Jobim, um saxofonista tocando sucessos variados e um violinista entoando até “Jesus, Alegria dos Homens” de Johann Sebastian Bach. Quanto aos jovens da sexta-feira, não posso dizer que sou apreciadora daquele estilo musical e preferia que o grupo tivesse entrado para tocar/cantar música tipicamente carioca como samba, choro ou bossa nova, mas não é que eu acabei gostando de verdade? Uma coisa eu aprecio sempre: é a capacidade do nosso povo resistir no meio das tribulações, mantendo o humor e esbanjando criatividade. Manhã revigorante para mais um dia de trabalho. No momento, estou nesta quarentena do Rio, iniciada dia 16/03; contudo, quando acabar a onda do coronavírus, torço para que venham outras manhãs ainda melhores, com leitura, alegria e motivação! E, se é para parar a leitura, que seja por novos talentos no “Arte no Vagão”!
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